quarta-feira, 19 de outubro de 2011

só pra dizer o que eu sei

sem querer dizer muita coisa ou sentir muita coisa ou saber muita coisa, só quero dizer que, apesar de sentir muito e de saber que sinto muito, e de sentir que sei muito o que digo pouco, pouco importa se eu cheguei a dizer muito ou saber muito o que eu sentia tanto. só sei que, se eu pudesse, dizia o tempo todo que o que eu sinto o tempo todo e o que eu sei o tempo todo é que, se desse, eu ficava era calada, de boca e de pensamento, só pra sobrar espaço pra sentir muito, o tempo todo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Sobre sementes

Plantar é, num ato puro de dedicação, respeitar o tempo. É lançar ao solo, nem sempre tão fértil, a semente frágil, sensível, mas rígida, e misteriosa a ponto de se permitir secar com os segredos todos guardados se não encontrar razão para vir à luz. Para vê-la brotar, é preciso cuidado e, acima de tudo, paciência; a demora é tanta que se pode chegar a crer que haverá de ter sido tudo em vão. Ela continua lá, repousando sob a terra, mesmo regada à água fresca, luzes do dia e de fim de tarde e doses, daquele que dá sem receber em troca, de esperança. E segue aparentemente seca, impenetrável, calando envolta de húmus. É que são desconfiadas, as sementes. Precisam que se prove o valor de se entregar à metamorfose, de morrer para nascer outra. Necessitam das demonstrações de carinho, de cuidado, de que invistam nelas mesmo sem saber se virão, um dia, a se tornar alguma coisa. De repente, num despretensioso despertar de talinho verde, desabrocha. Dá, como que sorrindo, a prova de ter estado viva durante todo o tempo. E, ainda sem raiz, se arrisca miúda sobre o solo. Precisa de toda proteção contra as chuvas fortes, os pássaros ou as formigas. Mas sob a atenção de duas mãos, toma corpo, e se vê cada vez mais ereta, confiante, desvelando talos, folhas e ramagens floridas, por puro prazer. Aos poucos, ganha força e nem precisa mais de tantos cuidados. Simplesmente, cresce, e se fazendo notar grandiosa, abriga, em sua sombra, nada menos que a calmaria.

 

Mas quanta incompreensão dos impacientes. As sementes, na verdade, se deixam tocar. Esperam, por natureza, o encontro com a terra, anseiam por sentir a casca amolecer em contato com a água. Absorvem todo zelo, amor, toda incondicionalidade, e, daí, se envolvem num desejo puro de transformação, num entregar-se desmedido e bravio. Discretas, reúnem tudo quanto podem e se desenvolvem depressa, esperando poder vencer a terra e se mostrarem lindas, crescidas, antes de o jardineiro ir embora. E, de surpresa, num dia qualquer, se exibem verdes e, ainda que pequenas e vulneráveis, representam tudo o que se pode chamar de amor.