quarta-feira, 18 de setembro de 2013

saudade

é a pequena morte
que a distância anuncia
perversa. o amor
calejado nos calcanhares
can
sa
dos
de longos c a m i n h o s
vazios.
o pesar
dos passos dsecmpaonahaods
agora mais tortos
e dói.
por fazer notar – com um beliscão funesto no peito –
que continuamos vivos pra caralho
apesar de tudo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

guel arraes não tá com nada

para registrar: o dia em que passei a tarde conversando com Ariano Suassuna, no auge de seus 85 anos, em sua casa de veraneio, na praia de Candeias. Todo mês de janeiro, vai para lá descansar da agenda atribulada. A idade avança, mas não leva consigo a velhice. O escritor não estava de óculos, não precisa  fazer conchinhas nos ouvidos e constrói pensamentos com a memória de seus autos todos. "Olha o alemão me atacando", fala brincando sobre o tal Alzheimer, ao esquecer uma palavra qualquer. A entrevista, bem no meio das férias, uma sorte. Só veio a cabo porque o personagem-tema é especial demais: Mestre Meia Noite. 

Para explicar o encontro, relembrou a história do balé clássico, que se espalhou pelo mundo após a parceria do italiano naturalizado francês Jean-Baptiste Lully com Luís XIV, na França do século 17. O nome de batismo do compositor e dançarino era Giovanni Battista Lulli, antes da infância em terras francesas.

Enquanto secretário de cultura da capital pernambucana, quis criar dois espetáculos: um para fundir a dança popular brasileira ao balé clássico; o outro para unir nossas expressões à dança contemporânea. 

Para o primeiro, juntou um compositor do século 18, chamado Luís Álvares Pinto, a músicas de Capiba para a Missa Armorial. As composições eram cantadas em latim, mas embaladas com músicas populares, em ritmo de frevo, coco e maracatu. O espetáculo se chamava "Pernambuco do Barroco ao Armorial".

No segundo, estendeu o convite a André Madureira, fundador do Balé Popular do Recife, batizado por Ariano, em 1977. Foi quando decidiram agregar novas formas de expressão à dança popular. O Mestre Meia Noite, entre outros bailarinos convidados, foi recrutado para contribuir com a inserção da capoeira e do maracatu nação. Pedro Salustiano contribuiu com o Cavalo Marinho e maracatu rural; Jofre de Andrade era passista de frevo de rua. "Brincadeiras de um circo em decadência" passaram a ser encenadas no Circo da Onça Malhada, montado na Rua da Aurora.

Desde o final de 2011, o circo está em turnê pelo Brasil com a aula-espetáculo "Tributo a Capiba". O mestre de capoeira ganhou um solo, dançando o Choro nº 5 do compositor nascido em Surubim. A dança começa com o corpo do homem negro, magro, coberto por um manto muito grande, segurado por uma bailarina. E ele começa a dançar com os olhos, com o rosto, com os ombros, e a dança se espalha pelo corpo inteiro. "O Mestre Meia Noite interpretando esta música é um momento antológico da música pernambucana".

Os dois vão continuar trabalhando juntos na secretaria de Cultura do Estado até o final do mandato do governador Eduardo Campos. O próximo projeto é um espetáculo de música e dança - e, ainda não se sabe, canto. A inspiração é o disco Tríptico: No Reino da Ave dos Três Punhais, com violões do Quarteto Romançal e canto gregoriano adaptado por Antônio Madureira. Nas faixas, se reúnem as influências indígena (no toque dos encantados), portuguesa (no toque dos degradados) e africanas (no toque dos orixás). Ariano brinca que o título do álbum é tão bom que nem precisava de música. Tríptico também é  o nome que Samico deu a uma de suas gravuras.

O escritor relembra, no meio da conversa, as três versões para o cinema que fizeram do Auto da Compadecida; e continua tendo a primeira como sua favorita. Participou em toda a montagem do roteiro e na direção do filme de George Jonas, de 1968. No elenco, um Antônio Fagundes magro e dos cabelos pretos deu corpo a Chicó, a contragosto de Ariano. Na época, o ator Armando Bógus, hoje desconhecido, era mais famoso e acabou levando o papel de João Grilo. Uma Regina Duarte também moça é Maria, no Brejo da Madre de Deus. 

Uma cópia do DVD ficou rodando no quarto da casa de praia de Ariano, que comentava a construção das cenas, a atuação do elenco, o figurino desenhado por Francisco Brennand e o cenário de Lina Bo Bardi. A inspiração circense, que se faz presente até nos rudes trejeitos dos cangaceiros, é o que faz o autor se encantar pela película. "Vamos lá no quarto assistir ao filme, mas não conte pra ninguém", brinca. "Minha mulher não está em casa e não ia gostar nadinha de saber que eu levei uma menina pra lá".

*um obrigada ao jornalista e assessor Samarone Lima, que nos fez companhia e documentou toda a conversa, como é de seu costume, em sua filmadora de estimação.