sábado, 8 de setembro de 2012

desafinado

o violão ali, encostado na parede.
ao relento da maresia de morar perto da praia.
um ré, outro lá e os dós desencontrados.
as cordas, enferrujadas, não descobrem mais os tons.
o timbre, arranhado, não desvela melodias.

continuamos a apertar as tarrachas; a forçar, até o limite, as fibras do nylon.
ceifamos o aço ao descascar de suas membranas.
e estouram, as cordas.
se partem, de tão esticadas e gastas.

nos falta o zelo de entoar o que, de cor, sabemos.
o cuidado (não o costume) de trocar o que desafinou; de ajustar as dissonâncias.
o afinco em preservar o instrumento,  e espanar os faniscos de poeira.

quando uma delas se rompe, lamentamos o que deveríamos ter feito.
nos invade o remorso e, atrasados, nos apressamos em corrigir o desleixo.
para voltar a tocar.
com carinho, substituímos as cordas todas, já velhas e surradas.
demora um pouco para que as novas se ajustem; que possam soar sis, mis ou sóis.
devagarinho, se aconchegam nas casas, conhecem os trastes e assumem acorde aveludado.

o violão continua; o mesmo corpo, a mesma acústica, a mesma alma sonora.
mas com as comas todas no lugar.


é que no peito dos desafinados
no fundo do peito, bate calado
é que no peito dos desafinados também bate um coração.