quinta-feira, 19 de julho de 2012

amai - ou o décimo terceiro soneto.

de madrugada, acordei ao pontual soar da campainha, e tentei ver o céu pela brecha da cortina.
procurei, com os olhos semicerrados, algum prenúncio de dia para me livrar dos lençóis.
não havia raio de sol sequer para fazer nascer cor
e o negro do asfalto se confundia com o denso firmamento.
afastei um pouco mais o pano com os pés e, em meio ao breu, fizeram-se notar duas fúlgidas estrelas, senhoras num céu que não tinha lua.
e apenas duas.

pensei nos meus filhos que, quando vierem a existir, talvez não conheçam estrelas.
nos animadores de desenho que pintarão os céus todos de preto, sem morada para os grandes reis do passado ou trilha para os tapetes voadores.
nos namorados que, deitados na areia, não terão cartilha iluminada para desenhar destinos.

ofuscadas pelo nosso brilho - artificial e excessivo -, se apagam.
as mais antigas já sabem: há tempos deixaram de protagonizar sonhos e poemas.
ruíram os natos marujos, que desvendavam, em suas cintilâncias, os mistérios do caminho.
e os românticos, que as prometiam em presentes de eternidade.

tanto já sabem que, tais quais as do cinema, preferem se esconder enquanto caem.
quem diria que morrer, um dia, foi instante de glória.
preparava-se o mais radiante véu e, no derradeiro fulgor, eram riscadas palavras de esperança.



a única coisa em que consigo pensar, e espero que dela me lembre quando chegar a hora, é que, se um dia eu voltar a ver uma estrela cadente, eu possa pedir que as nossas crianças conheçam momentos de apagar as luzes.

e que estejam mais perto do céu do que nós.